sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O ROUXINOL E A ROSA


-Ela disse que dançaria comigo, se eu lhe levasse rosas vemelhas- exclamou o jovem Estudante,- Mas em todo o meu jardim não se encontra uma só rosa dessa cor.

Do seu ninho, nos ramos duma azinheira, ouviu estas queixas o Rouxinol e olhou. assombrado, por entre a folhagem.

-Não há uma só rosa vermelha em todo o meu jardim-exclamou ele, com os belos olhos rasos de lágrimas,-Ah, de que coisas pequenas depende a felicidade! Sei tudo o que os sábios escreveram, e possuo todos os segredos de filosofia, contudo, por falta de uma rosa vermelha, estou condenado a uma vida infeliz.

E deixou-se cair sobre a relva, escondeu a face entre as maõs e chorou.

-Cá está, finalmente, um verdadeiro apaixonado!- exclamou o Rouxinol,-Noite após noite o tenho cantado apesar de o não conhecer, noite após noite contei sua história às estrelas, e vejo-o agora.

Sofre o que canto, a minha alegria é sua dor. O amor é certamente uma coisa maravilhosa. É mais precioso que as esmeraldas e mais caro que as finas opalas. Pérolas e romãs não podem comprá-lo nem se encontra à venda no mercado.

-Por que está ele a chorar?- perguntou um pequenino lagarto verde, e também questionou uma borborleta que adejava atrás dum raio de sol.

-Chora por uma rosa vermelha- respondeu o Rouxinol.

- Por uma rosa vermelha!-exclamaram. -Que ridículo!

Mas o Rouxinol entendeu o segredo da mágoa do estudante, e ficou silencioso na azinheira a refletir nos mistérios do amor. De súbito, abriu as asas para voar e lancou-se aos ares. No meio dum canteiro, erguia-se formosa roseira, voou para ela, poisando num dos seus ramos.

-Dá-me uma rosa vermelha-pediu o Rouxinol, - E cantarei para ti a minha mais bela canção.

- As minhas rosas são brancas-respondeu a roseira,- Tão brancas como a espuma do mar, mais brancas que a neve das montanhas.

-Uma só rosa vermelha é tudo o que desejo- disse o Rouxinol.- Uma só! Não haverá meio de o obter?

-Há um meio-respondeu a roseira,- Mas é tão terrível que não ouso dizer-lo.

-Dize-mo-insistiu o Rouxinol,- Eu não tenho medo.

-Se desejas uma rosa vermelha- replicou a roseira,- Tens de criá-la com música ao luar, e tingi-la com o sangue do teu coração. Tens de cantar para mim com o teu peito apoiado contra um dos meus espinhos. Toda a noite tens de cantar e o espinho há-de atravessar-te o coração e o sangue da tua vida há-de correr para as minhas veias tornando-se meu.

-A morte é preço muito alto por uma rosa vermelha- observou o Rouxinol,- Contudo, o amor é melhor que a vida, e que é o coração de um ave comparado com o coração de um Homen!

E abriu as asas para o voo e elevou-se nos ares.

-Alegre-te-disse o Rouxinol,- Terás a tua rosa vermelha. Criá-la-ei com música ao luar, e tingi-la-ei com o sangue do meu coração. Só te peço, em troca, que sejas um verdadeiro apaixonado, porque o amor é mais sábio que a Filosofia.

O estudante levantou os olhos da relva e escutou, mas não podia compreender o que o Rouxinol lhe dizia, porque só sabia as coisas que estão escritas nos livros. Tem de admitir-se, contudo, que sua voz tem notas cheias de beleza, que pena que nada signifiquem nem faça bem algum.

Quando a lua brilhou no céu, o Rouxinol voou para a roseira e chegou o peito ao espinho. Toda a noite cantou, com o peito contra o espinho, e a fria lua cristal curvou-se para escutá-lo. Cantou toda a noite, o espinho ia-se-lhe enterrando cada vez mais fundo no peito, e o sangue da sua vida ia-se lhe escoando das veias. E no mais Alto ramo da roseira desabrochou então uma rosa deslumbrante, pétala após pétala, como a canção sucedia outra canção. A rosa era pálida como a neblina que paira sobre o rio. Mas a roseira pediu ao Rouxinol que apertasse mais fortemente o peito contra o espinho.

- Aperta mais, querido rouxinol ou chegará o dia antes que a rosa esteja acabada-pediu a roseira.

E o Rouxinol apertou mais fortemente o peito contra o espinho e cada vez cantava mais alto, pois cantava o despertar da paixão na alma de um Homen e de uma Mulher, e um delicado rubor, tingiu as pétalas da rosa. Mas o espinho não tinha chegado ao coração do Rouxinol, e por isso o coração da rosa continuava branco, porque só o sangue do coração do Rouxinol, pode tingir de carmezim o coração duma rosa. A roseira gritou ao rouxinol que apertasse mais o peito contra o espinho. Então o Rouxinol apertou o peito contra o espinho, que lhe rascou o coração. Uma dor cruel lhe precorreu o corpo. Amarga, era a dor e cada vez mais ardente o seu canto, porque cantava o amor sublimado, o amor que não morre no túmulo. E a rosa cobriu-se das tintas rubras do céu do Oriente, as suas pétalas eram cor carmim, vermelho como um rubi o seu coração. Mas o Rouxinol enfraqueceu, as suas asas pequenitas começaram a adejar e uma nuvem lhe velou os olhos.

-Olha! Olha!- exclamou a roseira.- Já está acabada a rosa. Mas o Rouxinol não respondeu, jazia morto na relva alta, com o espinho cravado no coração. E ao meio-dia o estudante abriu a janela do quarto e olhou para fora.

-Que felicidade! Cá está uma rosa vermelha! Nunca vi uma rosa assim em toda a minha vida. É tão bela.

E, inclinando-se, colheu-a.

-Aqui está a rosa mais vermelha do mundo. Hás-de colocá-la esta noite sobre teu coração, e enquanto dançarmos, ela te dirá do meu amor-disse o estudante a sua amada.

-Receio que esta rosa não diga bem com a cor do meu vestido- respondeu.- Demais, o sobrinho da Camarista enviou-me algumas jóias de preço.

-Por minha fé que és muita ingrata!-exclamou o estundante, cheio de indignição, e atirou a rosa para a rua.

-Que coisa estúpida é o amor!-disse o estudante afastando-se.-Não tem utilidade da lógica, pois com ele nada se prova, e está sempre a falar-nos de coisas que não acontecem, fazendo-se acreditar em coisas que são falsas.
OSCAR WILDE
Eu sou o Rouxinol, capaz de sacrificar para o Estudante encontrar a sua rosa vermelha (sonho).
Bjs

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